O Dr. Eduardo Gouvêa, sócio-fundador do escritório GAE e presidente da Comissão Especial de Precatórios do Conselho Federal da OAB, concedeu entrevista ao Valor Econômico falando do pedido da suspensão dos pagamentos de precatórios pelo Governo Federal e a consequência desastrada da possível medida.
Veja na íntegra a matéria:
Estados pedem suspensão dos pagamentos de precatórios Governo federal deve incluir medida em proposta a ser enviada ao Congresso
O pagamento dos precatórios poderá ser interrompido por causa da crise gerada pelo coronavírus. A equipe econômica do governo federal, cedendo à pressão dos governadores, deve incluir a suspensão das dívidas em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que será enviada ao Congresso Nacional. Há Estados que também estudam acionar a Justiça para paralisar repasses.
Existe resistência, no entanto, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade tem atuado em gabinetes de deputados e senadores para tentar barrar qualquer tipo de projeto nesse sentido. Um dos argumentos é de que os Estados utilizam muito pouco dos seus caixas para pagar os precatórios. A maioria dos títulos, segundo os advogados, é paga com os valores de depósitos judiciais.
O Estado de São Paulo, por exemplo, pagou R$ 3,6 bilhões em precatórios em 2019 — dos quais R$ 2,8 bilhões com valores de depósitos judiciais e R$ 800 milhões com recursos próprios.
O governo de São Paulo buscou o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) para negociar os pagamentos dos títulos previstos para este ano. Existe a possibilidade, segundo fontes, de que um pedido de suspensão seja formalizado à Diretoria de Execução de Precatórios (Depre) da Corte — que organiza a fila e emite as ordem de pagamento. Até o fim da tarde de ontem, porém, isso ainda não havia ocorrido. A previsão para 2020, segundo consta no plano de pagamento do Estado, era liberar entre 2,5 e R$ 4 bilhões aos precatórios.
Os governadores, de forma geral, buscam uma solução coletiva. Em reunião virtual na manhã de ontem os representantes dos Estados das regiões Sul e Sudeste — incluindo o de São Paulo, governador João Doria — formularam carta com uma série de reivindicações ao governo federal. Entre elas, a prorrogação do pagamento dos precatórios.
Essa medida já constaria no projeto de uma PEC que está sendo elaborada pelo governo federal — e de forma abrangente. O texto-base ao qual o Valor teve acesso diz que União, Estados e municípios ficariam autorizados a suspender os pagamentos dos precatórios até 31 de dezembro de 2020.
Para isso, porém, teriam que empregar os recursos correspondentes em medidas de combate à calamidade pública. Os pagamentos dos títulos seriam feitos, então, até o fim do ano de 2021, com atualização monetária e juros de mora.
O texto-base também estica o prazo, de 2024 para 2030, do regime especial — em que estão inseridos os Estados e municípios que têm dívidas de precatório atrasadas. Esse regime é regido pela Emenda Constitucional nº 99, de 2017, e permite o parcelamento das dívidas até 31 de dezembro de 2024. Nesta data, todos deveriam estar com os pagamentos em dia e migrar para o regime ordinário.
No regime ordinário, em que estão aqueles que não têm dívidas em atraso, as requisições de pagamento recebidas até 30 de junho são incluídas no orçamento do ano seguinte e pagas no curso do exercício.
Para o presidente da Comissão Especial de Precatório do Conselho Federal da OAB, Eduardo Gouvêa, a suspensão dos pagamentos “está totalmente desalinhada com a necessidade de colocar dinheiro na mão das pessoas que mais precisam”. O advogado afirma que a maior parte dos títulos são oriundos de processos movidos por pessoas físicas e têm caráter alimentar. “O mais grave é estar sendo feito sem análise”, aponta Gouvêa. “As duas medidas, se implementadas, trarão mais prejuízos do que benefícios.”
O advogado afirma existirem alternativas mais eficazes. Uma delas seria a possibilidade de financiamento, por bancos públicos ou privados e com prazo diluído de pagamento, para Estados e municípios que têm dívidas de precatório em atraso. “Não se trata de novo endividamento, mas de financiamento de uma dívida já existente”, diz.
Com a medida de liberação dos precatórios, enfatiza, haveria uma injeção de dinheiro importante na economia. Segundo o advogado, o estoque de precatórios vencidos soma mais de R$ 100 bilhões.
O advogado Marco Antonio Innocenti, que também é membro da Comissão Especial de Precatórios da OAB, diz que os Estados utilizam muito pouco dos seus orçamentos para pagar os precatórios. A grande maioria dos títulos, afirma, é custeada com valores de depósitos judiciais — a Lei Complementar nº 151, de 2015, permite que sejam utilizados até 30% dos recursos.
“Os governos têm como custo a remuneração do fundo garantidor dos depósitos, pela Selic, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. É um custo baixíssimo”, diz.
A pressão dos governadores, acrescenta, deveria ser para que o governo federal propusesse medidas para ampliar o uso dos depósitos judiciais — de 30% para até 70% — e também para reduzir a remuneração do fundo garantidor dos depósitos judiciais. “Poderia, por exemplo, adiar por três anos e reduzir à correção da poupança”, diz. “Isso daria fôlego aos Estados e, com a liberação do dinheiro dos precatórios, movimentaria a economia.”
Os advogados também criticam a possibilidade de a União suspender os pagamentos deste ano. A medida, afirmam, vai prejudicar a imagem do país. O governo, há pelo menos duas décadas, vem pagando os títulos em dia. O Ministério da Economia foi procurado e afirmou que não comentaria o assunto.
Já a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo não respondeu sobre o pedido de suspensão dos pagamentos ao TJ-SP. Informou, por meio de nota, que cumpre com as suas obrigações, como o previsto na Emenda Constitucional nº 99, e que aplica recursos próprios nos pagamentos.
“O levantamento de depósitos é receita adicional para pagamento de precatórios mas gera custos financeiros com administração e encargos, além de implicar endividamento”, afirma na nota enviada ao Valor.
Fonte: Valor Econômico